Palestrante, consultora e coach, Carla Carvalho Dias fala-nos sobre o que está por trás do bem-servir. Queremos todos o mesmo na relação empresa-cliente? Como podemos servir melhor?
Nesta conversa desvendamos o que a especialista pensa sobre as relações com o digital pelo meio e de como isso influencia o impacto positivo no relacionamento entre equipas e clientes.
Acompanhe-nos nesta viagem para entender a mecânica das relações.
Uma boa “jornada do cliente” começa pela preparação?
Não sei se começa, mas depende muito da preparação. Uma boa customer journey vive de detalhes, de personalização e de humanização, por isso, quanto mais se preparar, melhor. Tanto do ponto de vista pessoal (a “nossa” preparação), quanto preparar a viagem do meu cliente, com todos os detalhes e conhecendo o maior número de informações possível.
Também conta pensar no meio: omnichannel, presencial, por email? Quantas vezes vamos interagir e como? Sem dúvida, a preparação é um fator-chave de sucesso e a jornada começa por aí.
Como podemos servir melhor?
Tomando essa decisão. Um estudo de Michael Tomasello (psicólogo americano), explica que a empatia é uma qualidade inata. Sendo este o ingrediente número 1 de um serviço de excelência, nós todos vamos saber fazê-lo. Ele conduz um estudo com crianças até três anos, onde demonstra que quando a criança vê um adulto a deixar cair uma chave, mesmo que não o conheça, corre para a apanhar com sorriso. Isto acontece porque se coloca no lugar da pessoa que tem as mãos ocupadas. Ao longo da vida, vamos crescendo e achando que apanhar a chave tem de ser “a troco de qualquer coisa”. Portanto, quando falo sobre uma escolha, é sobre aceitar que temos essas qualidades inatas e pô-las ao serviço.
O que faz com que eu sirva melhor? Primeiro, a vontade genuína de realmente fazer a diferença na vida daquela pessoa, independentemente da área de negócio. Para um experiência de excelência, tem muita influência a cultura na qual me encontro. Se estou numa empresa demasiado orientada para resultados, onde as emoções não tem lugar e o bem-estar não é tido em conta, é muito provável que a minha relação com o cliente seja exatamente igual.
Tendo em conta a sua vasta experiência internacional, o consumidor quer o mesmo, em todo o lado?
Lá no fundo, todos querem o mesmo. Querem que os clientes tenham experiências memoráveis e que as suas pessoas ps tratem bem, respondam aos e-mail a horas, façam follow-ups, etc. Do ponto de vista interno, procuram boa liderança e boa comunicação entre equipas. O que muda é a cultura e as abordagens. Uma equipa italiana requer cuidados diferentes de uma francesa e asiática. O próprio alinhamento, de uma consultoria ou palestra, tem que levar em conta os aspetos culturais. A Ásia já tem a cultura do servir muito enraizada. Eles não pedem que pessoas tenham esta consciência, o servir e sorrir está muito presente, mas tem mais pedidos na base de energizar e divertir, por exemplo.
Onde podemos começar a dar um boost à nossa atitude?
A ciência mais antiga do mundo é o storytelling, portanto, não há nada melhor que uma história para inspirar alguém. É nesse contexto que produzo o podcast, com histórias que eu acredito que inspiram. Podemos também ver, ouvir e ler cases studies. A melhor maneira de inspirar alguém não é a evidência. Se eu disser a alguém desinspirado que a taxa de recomendação de um bom serviço é X, a pessoa fica “na mesma”. Por outro lado, contar-lhe uma história de alguém que mudou a sua vida, porque outra pessoa o serviu de uma determinada forma, seria muito mais transformador.
A busca da inspiração para servir bem deve vir no seguimento de uma das 7 escolhas que tenho no meu primeiro livro. Salvo erro, a segunda escolha diz “faço-o por mim e só depois pelos outros”. Se eu estou desinspirado e acho que o propósito de servir bem é só para o cliente ficar contente, vai ser muito difícil. É importante que eu perceba o que eu ganho se eu servir bem.
O que é que está por trás do conceito SMERVE e como é que ele nasce?
É um devaneio, uma palavra que eu inventei, composta por duas palavras mundialmente reconhecidas: smile and serve. Nasce numa reunião com um cliente, ao falarmos sobre uma problemática com a equipa cuja conclusão foi “sorrir e servir”. Logo a seguir juntei as palavras e criei este manifesto.
Comecei a brincar com a palavra e assinar nas minhas mensagens “SMERVE you” e a explicar o conceito em palestras. SMERVE é um movimento que defende que todos temos direito de sermos bem servidos. Então, porque não somos? É um manifesto de um mundo com mais sorrisos, com a desmistificação de que servir é um ato pouco nobre, que dá cor à minha missão de vida, que é inspirar as pessoas a sorrirem e a servir, com propósito nobre.
Quais os maiores desafios entre servir bem no digital e no presencial?
O digital é valorizado em dois grandes eixos: a rapidez da resposta e a humanização. Ao construir uma matriz, percebemos que uma relação digital lenta e não humanizada com o nosso cliente, estamos num mau caminho. Se só houver rapidez e não humanizado, menos mal, mas continuo sem estar no caminho do serviço de excelência. Portanto, tenho que conseguir os dois, por exemplo, incluindo alguma emoção no chatbot.
De uma maneira simplista, o digital é a minha antecipação ao serviço que vou receber. Se aqui correr mal, então “o que será ao vivo”. O digital tem que ter uma obsessão pelo processo, por quem está atrás do ecrã. A preparação e obsessão pelo processo no digital tem que ser maior do que presencialmente. Neste caso, eu tenho a pessoa à minha frente e, se houver uma falha, eu posso corrigir. No digital, o cliente faz um mau review na hora.
Como vê a cultura empresarial nas relações cada vez mais digitais?
Quando estávamos todos juntos, os comportamentos observados em determinada cultura empresarial eram visíveis. Aprendiam-se os pilares, valores e cultura da empresa. No online, isto deixa de existir, eu não consigo ver como o meu colega se comporta em casa. É importante e urgente as empresas explicitarem quais são os comportamentos e valores incluídos na sua cultura e quais não estão, remotamente falando.
A empresa pode entender que na cultura que tem transparência, por exemplo, não há reuniões com câmara desligadas. Numa cultura de transparência, eu não te vou julgar pelo fundo da tua casa, ou pelo teu cão atrás. Eu não quero ver a tua casa, quero ver a tua pessoa!
Como se pode promover o “direito a desligar” neste contexto pós-pandémico?
A disciplina do descanso é um tema que dá trabalho e preocupa. Já o Harrison Ford descobriu que quando as pessoas trabalhavam horas a mais cometiam muitos erros. Há séculos, ele pôs os trabalhadores a fazerem menos horas e diminuiu brutalmente a quantidade de erros cometidos. Obviamente, há picos de atividade onde, excecionalmente, posso ter que esticar a corda e trabalhar mais que o habitual. Só tenho que ter a consciência de descansar e recuperar, senão, vou cometer erros.
O que acontece em casa é a falta de disciplina de “desligar da ficha”. As pessoas chegam ao fim do dia e não esticaram as pernas, não almoçaram e estão com um nível de irritabilidade altíssimo. Quem vai pagar por isso? Os filhos, o marido, o cão.
Temos que nos disciplinar, por mais difícil que seja. Cabe à empresa assumir essa disciplina e adotá-la, porque uma pessoa com uma ansiedade imensa, sentada 10 horas na secretária, não pode ser produtiva. O índice de produtividade dessa pessoa vai ser mínimo, vai estar desconcentrada. O bom serviço vem, acima de tudo, do bem estar intelectual e coletivo.
Conheço pessoas que adoram o teletrabalho e concordam na mesma base: quando chega a hora de almoço, o telefone fica em “não incomodar”, garantem 15 minutos no sofá ou para dar uma volta. Priorizam-se. Só se vai conseguir o equilíbrio quando as empresas tiverem a coragem de atribuir indicadores de performance à qualidade de vida dos colaboradores. Premiarem quem cuida da sua saúde mental e física. O wellbeing é um fator chave de sucesso.
Como é que a mecânica entra na sua vida e que voltas deu para o rumo ser diferente?
A mecânica é uma paixão de criança. Parafusos, motas, barcos, sempre foram o meu hobby. Quando chegou a faculdade, segui pela paixão, e por isso fui para mecânica. Apaixonei-me e especializei-me em termodinâmica e aerodinâmica. Quando cheguei à consultoria, percebi que todos os princípios termodinâmicos e aerodinâmicos são o espelho de uma organização. Sempre gostei muito da mecânica e da arte, e é a junção destas duas que me traz essa vertente de speaker.
A cultura de serviço é missão, talento ou trabalho?
Os três. Eu tenho sempre presente esta máxima “hard work beats talent on the long run”. De facto, é preciso trabalhar muito, e a cultura de serviço dá muito trabalho. Marcarmos os outros pela positiva é trabalhoso. Também é preciso talento. Há pessoas mais criativas e menos criativas. Às menos criativas digo para imitarem os outros. Não precisamos inventar a roda, mas “se não conseguirem imitar, não copiem”, como diz Yogi Berra.
No meu caso, é também a minha missão de vida, melhorar a cultura do serviço em Portugal e no mundo. Ter pessoas mais felizes, a sentirem realização pessoal quando conseguem fazer um trabalho que capte um “uau” do outro lado. É a minha missão de vida e legado, isto de fazer a diferença na vida das pessoas. Em termos de uma cultura de serviço, mesmo sem missão e sem talento, com trabalho duro, todos conseguem.
Conta com 25 anos como “speaker, consultant e trainer”. São 3 versões diferentes ou uma versão desduplicada?
É sempre a mesma Carla. Há valores de base que estão em qualquer uma destas vertentes e depois há estilos adaptados. Aliás, mesmo a speaker tem diferentes estilos. A autenticidade é sempre a mesma, mas se eu estou a fazer uma palestra para mil pessoas, com o intuito de despertar o interesse ao serviço, tenho um registo diferente do que se fizer uma palestra para 50 líderes do mundo inteiro, que querem ouvir falar sobre servant leadership e até que ponto que a liderança tem influência no serviço ao cliente.
Onde nasce a sua curiosidade pelas pessoas?
Desde que me lembro de mim. Devo esta paixão à minha família, este ADN de conhecer as pessoas, de relacionar e compreender, de ser tolerante e de descobrir a história escondida. Devo-o à minha educação!
Sabemos que todos os seus livros começam pelo índice. Já escreveu o índice do próximo livro?
Já escrevi pelo menos 10 vezes e ainda não escolhi qual é “o” índice. Escritos estão muitos, mas ainda não está um decidido.